sábado, 4 de setembro de 2010

Resiliência e Fé

Fotos por mim



Era uma pauta que mais parecia uma missão. Sair em busca de usuários de drogas pelas ruas de Maceió e tentar fotografá-los para uma matéria especial. Pedimos permissão para entrar na guarita do terreno onde funcionava uma certa empresa para que eu pudesse fotografar alguns moradores de rua usuários de lá de dentro.

Encontramos Pedrinho - como é conhecido, embora seu nome seja Tayrone. Nada que comprove isso, pois seus documentos foram roubados enquanto dormia na rua. Tudo o que tem se resume a um saco contendo alguns poucos objetos e várias garrafas. Estava disposto a conversar e ajudar-nos na nossa matéria.

Pedrinho é alcoólatra. Bebe só de raiva. Raiva de tudo, da família, da mulher. Gosta de conversar e costuma despertar a simpatia e confiança das pessoas, como os porteiros do terreno, que o deixam entrar e dormir seguro nos fundos. As vezes as palavras fogem, ele se perde nas falas, conseqüência de tantos anos de álcool no organismo.

Eu o olhava e tentava afastar o pensamento clichê de: “Deus, obrigada por tudo que tenho!” com o “ele escolheu isso”. Mas era inevitável olhar para os meus pés brancos com unhas azuis impecáveis, enquanto na minha frente aquela criatura tinha sujeira até na ponta do nariz. Em que momento alguém escolhe uma vida dessas? Nos olhos ainda pude ver uma vontade preguiçosa de mudar, lá no fundo.

Já levou tiro e facada. Diz que nunca usou drogas pesadas, só “fuma um” quando tem. Faz uns bicos catando latinhas para ganhar uns trocados. Quando não arruma nada, mistura álcool de posto com água mesmo. Quase não come. Toca violão e guitarra. Foi integrante da banda Massa Rara, mas atualmente não está tocando nada.

Tem família, apesar de ter sido abandonado na infância. Informações confusas ao longo da conversa. Mesmo que lhe ofereçam uma cama, prefere dormir no chão. Tem medo do escuro e de ser queimado dormindo na rua. Vezenquando toma coragem e vai visitar a mãe. O repórter pergunta sobre seus Natais: “– Natal é uma figura linda. É coisa de Deus. Ano passado eu dei um presente pra minha mãe. Um brinco”. Disse isso com orgulho.

Parece não conseguir mais absorver e entender que a raiva que sente e o leva a beber só fere a ele mesmo. A conversa me fez pensar o caminho inteiro de volta a redação. Que mãe não luta pelo seu filho? Que substancia lícita é essa que acaba com um homem física e mentalmente? Que sistema é esse? Acho que essas perguntas vão fervilhar pra sempre na minha cabeça. Acho que vou sempre lembrar que fiquei de frente pra esse homem-se-auto-destruindo que me disse coisas.

Lendo um artigo do professor Luiz Carlos Cabrera na revista Você S/A, uma palavra me chamou a atenção: resiliência. Resiliência, segundo o Aurélio, é a “propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é devolvida quando cessa a tensão causadora da deformação elástica”. O professor diz que o ser humano desenvolve ao longo da vida, por vários motivos, uma capacidade de resistir às tensões. A palavra mágica, no fim, quer dizer “dar a volta por cima”.

Fica a inquietação: como aumentar a resiliência de uma pessoa sem qualquer perspectiva, como o nosso personagem Pedrinho? No mesmo artigo, o autor ainda diz que diferente de um material qualquer, que ao fim da tensão volta a ser o que era, o ser humano tem a chance de sair dela numa verdadeira transformação, já que tem a capacidade de aprender e acumular experiência.
Ele ainda fecha seu artigo de uma maneira que, com toda a licença, vou precisar terminar o meu também. Uma citação do apóstolo Paulo: “Combati o bom combate, completei a corrida, guardei a fé”. Não perca a fé em você mesmo.

Ainda arriscaria que não percamos a fé no outro também.

Então, as palavras do dia são: Resiliência e Fé.




Larissa Fontes