domingo, 24 de maio de 2009

Ela, alada


"Eu podia não falar nada. Podia ficar calada agora e guardar tudo isso pra mim. Mas não. Vou falar, e se puder, vou gritar. Não me importo com quanto tempo dure cada momento perto daquele cheiro, com o que estou ameaçada a dizer quando isso acontece."

Um silêncio doce invadia toda a sala. Sentia tudo tão doce de olhar, de tocar. Quase via flores passeando pelo vento como se fossem donas de asas. Ela própria se sentia alada. O que seria isso? Mas nem queria saber. Se se pusesse a divagar, aquela sensação poderia desaparecer e não queria sequer pensar nessa possibilidade. Olhava o mundo lá fora e via as pessoas flutuando de gentileza, se cumprimentavam com um sorriso a um simples passar umas pelas outras. E podiam até alimentar desses sorrisos! Os adeuses que se davam eram felizes como até-logos e tudo era amor. As cartas eram sempre mandadas. Abraçavam-se ao acordar. Os espelhos eram amigos. As vestimentas eram brancas de paz, esvoaçantes talvez, não sabia ao certo. Ela sorria. Flutuava. Seguia. Mais leve que o ar.

"Quero mais é que quando elas venham, não passem sequer de um segundo para sair de mim e cheguem até aqueles ouvidos em forma de qualquer coisa que o valha."

Larissa Fontes

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Eles só queriam ir embora


Mais um dia de trabalho. Sol a pino em cabeças que tentam se proteger com chapéus e bonés. O mau cheiro castigando quase se torna imperceptível para aqueles homens. Alberto anda em meio a um verdadeiro mar de lixo. Parece um pouco perdido em seu mundo interior. Com um saco nas costas, junta coisas que lhe parecem úteis. Talvez um pedaço de carne que ele não tem como saber de que bicho é. É natural que não queria estar ali. Além da poluição atmosférica, uma poluição sonora hoje toma conta do lugar. Um caminhão chega para descarregar mais algumas toneladas de puro lixo. Um barulho imenso. Os urubus já fazem parte da paisagem. Sobrevoam as cabeças. Pousam tão perto deles, que podem os olhar nos olhos. Ele só queria ir embora.
Pensa em sua mulher. Ana. Ela esperava mais daquela vida de casados. Ele próprio esperava outro sentimento ao chegar em casa e olhar aquela pessoa a quem dedicava tanto amor. Não aquele que sentia hoje. Estava grávida e pensava no que seria da criança que estava prestes a sair de dentro dela. Comida achada depois de muito catar no meio do lixo? Às vezes pensava besteira. Mas ele só queria ir embora.
Nunca tinha ouvido uma música. Como seria? Como seria sentir nascer uma alegriazinha no fundo de seu coração ao escutar uma melodia doce? Queria saber como era tanta coisa. Queria viver. Queria poder passear de mãos dadas com Ana em um lugar bonito. Quem sabe a praia! A única visão que tinha do mar era aquela lá de cima. Do lixão. De seu local de trabalho. De sua casa. Sim, porque ele também mora ali. Ele só queria ir embora.
Ana observava o marido entre tanta coisa podre e sofria. Queria não chorar, mas algumas lágrimas insistiam em não se aguentar dentro dos olhos. Sabia o tanto que ele sofria. O tanto que sonhava. Queria compartilhar dos mesmos sonhos dele. Às vezes se irritava com as conversar ilusórias dele, mas no fundo queria ser igual. Se não podiam viver, ao menos ele podia imaginar. Sonhar. Viver tudo dentro da própria cabeça. Mas nem isso ela conseguia. A realidade a puxava de volta. Aquele cheiro a trazia de volta de um mundo do qual queria fazer parte. Dançar! Como ela queria saber o que é isso. Pegar na mão de Alberto, abraçá-lo e rodopiar os dois, juntos, por um grande salão em penumbra. Ela também só queria ir embora.
Ao acompanhar os passos do marido de longe, ela imaginou o filho pequeno, correndo sem roupa pelo meio de todo aquele lixo. Sentiu uma pontada de um desespero que não podia fazer nada para espantar. Porque daqui a poucos meses, aquilo poderia estar acontecendo. Ela só queria ir embora.
Sem que percebesse, Alberto chegou perto e a abraçou. Eles eram iguais. Estavam pensando nas mesmas mazelas. Compartilhavam todos os sofrimentos. Lágrimas unidas agora. Eles só queriam ir embora.

Larissa Fontes

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O rapaz mais triste do mundo


É diferente. Uma vontade tímida de tomar o mundo na mão, de querer ser o que se é sem temer, de olhar a coisa mais simples e se emocionar com a sua beleza. Dar um sorriso aquela pessoa que passa com ar precisado, estender a mão a alguém que tropeça. Mas não. Palavras de quase amor eram trocadas. Coitado daquele rapaz. Escreveu num bilhete em letras garrafais e garranchadas: "Só queria que ela sentisse quando pensasse nela, tão com força, que vaze pro físico e chegue a doer. Respiro bem fundo por 4 segundos e tento desenhar aquele rosto no preto dos meus olhos fechados. Mão na mão, não dizendo nada. Sua luz irradia a minha e juntas podem formar uma que irradie dessa vez o mundo!".
Eu o via de longe, escrever em papeis e logo após amassá-los e jogá-los no lixo com uma cara de mais triste do mundo. Quando se levantou, foi andando pela rua com um andar de mais triste do mundo e eu não resisti. Fui lá e revirei o lixeiro. Enfiei tudo na bolsa e vim.
Hoje o encontrei num ônibus da cidade. Sentava com postura de mais triste do mundo. Sozinho. Sentei na sua frente e me dei de contemplar aquela criatura. O peito extravasado. Talvez a criatura mais triste do mundo. Olhava o chão, a janela, o teto do ônibus. Mas nunca pra mim.
Há muito tempo atrás. Hoje eu não reconheceria seu rosto. Mas seu olhar de mais triste do mundo sim. Li o rapaz mais triste do mundo. Era lindo!

L. Fontes
Escutando o Monólogo de Orfeu com a voz bêbadazinha do meu amado Vinícius. Êxtase!


P.s.: Ah!, vale ressaltar que o post passado foi do c..! Amei as várias opiniões, foi uma troca muito válida. Não vou continuar com a discussão porque sei que passaríamos toda uma vida e esse assunto ainda ia dar pano pra manga. Enfim.. Mas quem quiser ainda comentá-lo, sinta-se a vontade, é um laboratório contínuo, quem dirá eterno! Haha