sábado, 1 de novembro de 2008

Chuva e sol


"Hoje quando abri os olhos, não queria levantar. Aqueles dias em que só se quer ficar na cama o dia inteiro, sem nem falar com ninguém. Ouvi o barulho vindo de fora do quarto e logo me veio que ali não conseguiria mesmo ficar sozinha. Fiquei mais uns dez minutos tentando dormir de novo, mas o jeito foi me levantar. Saí do quarto na esperança de que ninguém me dirigisse a palavra e me encaminhei para a porta. Olhei da janela da sala e o mar tava num verde tão lindo, azul bebê, igual ao lápis de cor. Um vento soprou no meu rosto e aquilo me animou um pouco. Fechei o olho pra sentir aquilo, aquele cheiro de praia. Desci os degraus da varanda ainda sem pensar. Estava descalça e gostei da sensação dos pés na areia. Me sentei embaixo de um guarda sol, de um lugar que dava pra ver quase toda a praia, um pouco afastado da aglomeração que existe não importe o dia da semana.

Olhava a natureza toda sendo, e me perguntava como o mar ameaçava, mas não saia do seu lugar e invadia tudo. Ri da minha própria viagem. Nesse sorriso, vi você de muito longe, andando sozinho na praia. A camisa branca se destacava no teu corpo moreno. Segurando a sandália na mão, olhava pros próprios pés que as ondas vinham abraçar. Vi que arrancou uns olhares e uns cochichos de umas mulheres quando passou e nem percebeu. Daria um doce pelo seu pensamento.

Quando já estava perto, você parou, respirou fundo de frente pro mar, tirou a camisa e se sentou. Ficou um tempo assim. Parecia não notar nada do que acontecia em volta. Deitou na areia. Eu imaginava a temperatura do teu corpo, o sol te queimando, a areia te tocando, o vento que fazia carinho na tua cabeça. Se adequando totalmente a natureza da coisa, eu via até a sua respiração tranqüila, seu peito subindo respirando fundo de tempo em tempo.

Você estava tão lindo, que eu não tinha coragem de chegar perto e desfazer a paisagem que tinha se tornado com você ali, deitado, todo sujo de areia e quente do sol. Mas creio que a vontade de te ter perto foi maior, me levantei e fui andando em sua direção com cuidado, lentamente, com uma serenidade tomando conta do meu corpo.

Cheguei bem perto e de pé, continuei te olhando. Olhando de cima era ainda mais belo, de olhos fechados, com aquele sinal em cima da marca do sorriso. Acho que fiz sombra em você, ou não sei se dei um suspiro alto, e você abriu os olhos. Senti o meu rosto ficando vermelho e aquela sensação de não poder fazer nada para evitar que eu mesma me denuncie com aquela cara vermelha e o ar de nervosismo.

Você sorriu.

Eu quis me explicar, dizer que estava sentada bem ali atrás, que vi você desde que estava muito longe, que já fazia algum tempo que estava te olhando sentado, depois deitado, parecendo nem estar aqui na terra, mas enquanto eu tentava buscar palavras pra esse discurso todo, você já tinha ficado de pé e me abraçado. Então eu senti toda a pele do teu corpo quente por causa do sol, as mãos e as costas toda melada de areia e nem sei explicar o que eu senti. Só acho que a minha cara foi aquela meio de estranhamento, de quando eu acho uma coisa muito bonita. Depois dessa cara, vem um negócio, uma sensação de estar tudo cheio aqui dentro e de tomar cuidado pra não esborrar. É bem boa, essa sensação.

Enquanto estávamos abraçados, tudo estava parado. Paradinho. Até todo o barulho havia silenciado. No momento pós-abraço, fiquei com vergonha de te olhar nos olhos, em vez disso, olhei pro chão, meio desconcertada. Quando te olhei, você me olhava com uma expressão de carinho. Acho que é essa a palavra que descrevia a tua expressão naquele momento. Nos sentamos e ficamos de mãos dadas. Apertávamos a mão um do outro, com um desejo de que não fosse embora, como se quiséssemos agarrar aquele momento. Senti os grãos de areia entre os nossos dedos e me senti segura.

Uma nuvem veio e choveu. Chuva e sol. Não nos mexemos, ficamos ali, de mãos dadas. Debaixo do sol e da chuva."

Larissa Fontes

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