quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Monólogo de Orfeu

Mulher mais adorada!
Agora que não estás, deixa que rompa o meu peito em soluços
Te enrustiste em minha vida
E cada hora que passa é mais por quê te amar
A hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada
E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem,
Essa saudade de estar perto, se longe
Ou estar mais perto, se perto

O que é que eu sei?
Essa agonia de viver fraco, o peito extravasado, o mel correndo
Essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu
Tudo isso que é bem capaz de confundir o espírito de um homem
Nada disso tem importância quando tu chegas com essa charla antiga,
Esse contentamento, essa harmonia e esse corpo!
E falas essas coisas que me dão essa força, essa coragem, esse orgulho de rei
Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música!
Nunca fujas de mim!
Sem ti sou nada, sou coisa sem razão, jogada
Sou pedra rolada.
Orfeu menos Eurícide,
Coisa incompreensível!

A existência sem ti é como olhar para um relógio só com o ponteiro dos minutos
Tu és a hora, és o que dá sentido e direção ao tempo, minha amiga mais querida!
Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões, amada!
Ah, criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu,
Orfeu, cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala como o vento a flor, despetala as mulheres
Que ele, Orfeu, ficasse assim, rendido aos teus encantos!

Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho que eu vou te seguindo no pensamento
E aqui me deixo rente, quando voltares pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo
Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida, que eu estarei contigo!

Vinícius de Moraes

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